Dá o play (opcional) e aproveite a leitura! (obrigatório). Dá uma parada de balançar essa perna (opcional), respira (obrigatório)… ninguém ta correndo aqui. :)
É difícil passar pelo texto “Pela Última Vez”, de Emilio G. Neto, e não ficar olhando para o nada por alguns minutos. Eu já gravei podcast e li esse texto no final, já o usei como material de aula e como fonte de meditação e reflexão, devido às tantas vezes que ele me foi recomendado.
Agora, faz uns três dias que eu estava enrolando para terminar o capítulo “O Que É Melhor”, do livro, pois sabia que nele estaria o texto. Acabei de ler: é difícil mensurar a dimensão do impacto dessas palavras. Talvez seja tão grande que tudo o que a gente faça seja ignorá-lo um pouco. Tipo o fato de que estamos em uma bola gigante girando em torno de si mesma a 1600 km/h e orbitando uma bizarra bola de fogo a mais ou menos 107.000 km/h. Dentro do mesmo assunto, essa estrela, bizarramente grande, ao redor da qual giramos, não é nada comparada a tantas outras que existem no universo (que, aliás, é outra esquisitice). Por exemplo, a Stephenson 2-18 simplesmente tem 10 bilhões de vezes a massa do Sol e um raio 2150 vezes maior. Eu nem queria falar de estrelas neste texto, queria continuar ignorando-as mais um pouquinho.
Como diz o poeta: “É uma distração e a vida passa, é uma distração atrás da outra...”. A gente não se dá conta, né? Nem quando avisado… Talvez, essa seja a ideia. Quando o autor escreve: “Um dia você jogará bola pela última vez”, não é uma advertência para que estejamos conscientes disso naquele momento e consigamos fazer mais gols, se demorar mais um pouquinho na resenha… não. É uma profecia, uma daquelas das quais não dá para se desvencilhar, um oráculo!
O que eu faria se estivesse consciente da última vez que estou vivendo determinada experiência? Amando alguém, inocentemente fazendo um hobby preferido? Passando um bom tempo com um amigo, e conversando sobre as profundezas da vida? Nada. Nada além de ser tomado por um profundo senso de melancolia, por estar fadado a uma maldição da qual não posso correr nem me esconder. A sensação é que não, ficaríamos é cheios de alegria e gratidão, mas não funciona. A insatisfação que preenche essa era caída nos tocaria o ombro, balançaria a cabeça e diria: “Não adianta. Eu ainda estou aqui”.
Será que, sabendo ser a última vez, aproveitaríamos mais? Seríamos mais intensos? Ora, aproveitar mais? O que seria aproveitar mais? Estar mais consciente das coisas? Balela. A graça está em não saber. No súbito. Só depois a gente percebe. Mesmo não tendo ciência de quando será a última vez das coisas, bem-vindo! Estamos num mundo transitório, você e eu somos humanos e, uma hora, nessa era, tudo passa. Seus feitos, sua memória e até sua vida.
“Para a maior parte das pessoas, saudade é a única prova, uma prova que chega tarde de mais de que se amou de verdade.”
- Yoav Blum, Os criadores de memória. Citado a partir de “Isto é filtro solar”.
Se soubéssemos, ficariamos sempre em estado tal como Adélia Prado escreve no seu poema “A postulante”. especialmente no trecho destacado:
Deus tem todo o poder,
até o de, por um dia inteiro, me escutar chorando
sem me infligir castigo.
Tenho natureza triste,
comi sal de lágrimas no leite de minha mãe.
O vazio me chama, os ermos,
tudo que tenha olhos órfãos.
Antes do baile já vejo os bailarinos
chegando em casa com os sapatos na mão.
O jantar é bom, mas eructar é triste,
quase impoetizável.
Deveras, não hás de banir-me
do ofício do Teu louvor,
se até uns passarinhos cantam triste.
Antes do baile, já imaginaríamos os bailarinos com os sapatos na mão chegando em casa. Foi a última vez. Até apreciaríamos o jantar, mas depois digerir, arrotar, evacuar… para quê isso? Parece ser uma bênção e romântico, imagina só: a última vez sempre à espreita, te fazendo consciente da sua desgraça! Que bênção é não saber quando será, mas bênção maior é saber que é inevitável. Aí sim, podemos amar mais, podemos falar mais manso, curvar mais o pescoço, respirar mais fundo, gastar mais tempo em silêncio fitando o horizonte, ser mais legal! (ou pelo menos tentar). Nem sempre dá certo, não é uma conta exata.
Este texto é só uma tentativa de alongar um pouquinho mais o sentimento de ter lido esse trecho mais uma vez (pela última vez?). Até que deu certo, mas logo passa, logo se esvai. Isso não é só melancolia! Não se engane. É humanidade, efemeridade, anseio por eternidade, que não foi colocado aqui por mim mesmo.
O capítulo encerra dizendo: “Ainda bem que há notícias de uma terra nova, onde não haverá tantas lágrimas nas coisas. Os rumores, trazidos pelo bom livro, são de que lá nada precisará ser pela última vez.” Não dá para viver a vida atrás das últimas vezes. É triste demais, impraticável. Mas tem como viver sabendo que, apesar de serem inevitáveis, não são, porém, eternas. Ahhh, que alívio. Fechamos a página, voltamos aos nossos afazeres, gratos pela transitoriedade nossa e das coisas, aguardando o mundo novo de eternos reencontros.
Recomendações:
Nesse episódio eu cito exatemente esse trecho e conversamos longamente sobre nostalgia. Acho que você pode gostar!