Na tranquila e acolhedora cidade de Paraibuna, no interior de São Paulo, a aproximadamente duas horas da capital, realizamos o segundo retiro da igreja One - SP. A expectativa estava nas alturas, especialmente porque, no último encontro que tivemos ali (sim, no mesmo lugar), saímos com aquela sensação inesquecível: "Eu poderia viver aqui, com essas pessoas, para sempre." Essa experiência é exatamente o que Richard Lovelace captura em seu livro “Dinâmicas da Vida Espiritual”, ao descrever a intensa comunhão e dinâmica espiritual da igreja recém-formada no primeiro século.
O centro religioso de sua comunhão era reforçado pelo ensinamento apostólico, pela oração em grupo e pelo culto sacramental. Pouco tempo ou distância separava os membros deste corpo; sem barreiras, havia uma comunicação entre seus dons e suas graças. Aqueles de nós que já experimentamos algo como esta vida de comunidade íntima, alinhada com os propósitos do reino de Deus, por algumas semanas, numa boa conferência, podemos testemunhar a rica vitalidade e clara atmosfera espiritual que prevalece nesse tipo de situação. A vida comum paroquial parece obscurecida e difícil em comparação.1
Essa rica vitalidade não tem haver simplesmente com a intensidade dos nossos momentos de culto que envolvem música, apesar de (aqui entre nós) serem bem maneiros:
Nem tem tanto a ver com a qualidade do emprego de nossas palavras quando pregamos ou oramos publicamente. Essa vitalidade vai além de qualquer uma das programações que poderiam ser feitas, e é isso que mais toca e impressiona.
Não estávamos animados para o evento da igreja, mas pelo fato de que essa programação nos daria a oportunidade de estarmos todos juntos, algo que raramente acontece numa cidade como São Paulo. O retiro é maneiro, mas não em si mesmo; é maneiro porque vamos ouvir a Deus de mãos dadas.
Cheguei lá por volta de 16h30, dirigindo meu Uno com Tiane, Canta, Prisca e João como passageiros. Meu amigo Cantarino ficou em casa com sua família, e nós já havíamos gastado pelo menos uma madrugada colocando o papo em dia e rindo de coisas bobas. Como é bom ter amigos.
Nós, Rique, Ana e Clarinha, chegamos juntos. Inclusive, Rique me alcançou na estrada e me ultrapassou, deixando um aviso: "Vive sua mensagem e fica na faixa da direita!" kakakakak. O maluco só não percebeu que só havia uma faixa indo e outra vindo.
Já na Chácara Valle da Fonte, fomos para nossos quartos, guardamos nossas coisas e esperamos as pessoas que ainda estavam chegando. Eu e Rique fomos até uma mercearia, compramos doce de leite (com apenas dois ingredientes!), pão de forma e queijo. Trocamos cinquenta centavos de prosa com o vendedor, que era um baita de um gente boa (como se espera de alguém que vive no interior), e voltamos para a chácara.
Morrendo de sono como eu estava (conversar até de madrugada tem seu preço), precisava dar mais uma lida no meu esboço e tentar cochilar um pouco, afinal, eu abriria o retiro com a primeira mensagem. O jantar foi servido às 18h30, e a reunião estava prevista para as 21h. Depois do meu cochilo, recebo a notícia de que o pneu do ônibus, que estava trazendo o pessoal, havia furado, e eles se atrasariam.
Comecei a ficar mais nervoso do que normalmente fico quando vou pregar, porque imprevistos em série sempre me desregulam. Resumindo, o pessoal chegou, mas até jantarem e se organizarem... Fomos começar a reunião só lá pelas 23h, e bons minutos, indo direto para a palavra, não sem antes receber poucas, mas boas palavras de encorajamento dos meus amigos: "Sei não, mano, acho que o pessoal já tá querendo mesmo é dormir" ou "Mano, se a galera estiver dormindo, dá uma cortada na palavra". Como é bom ter amigos! :) HAHAHAHAH.
Em uma mesa que batia no meu joelho, comecei a pregar (tínhamos esquecido o púlpito). Deus me deu graça para me regular, e preguei a mensagem "Há aqui um lugar perto de mim", baseada em Êxodo 33:21 e ilustrada por um poema da Adélia Prado chamado "A Pintora". Esse era, inclusive, um dos motivos da minha preocupação: não era um sermão energético e animado, mas sim de uma profunda reflexão, que agora seria feita por volta da meia-noite.
Enfim, falei sobre o lugar perto de Deus onde podemos ser nós mesmos, um compromisso com a sinceridade e honestidade de, pelo evangelho e na presença de Deus, sermos quem Ele nos criou para ser. Um apelo a uma vida genuína, não editada ou aparada para parecer mais aprazível, vivida diante de nós mesmos, do outro e, principalmente, de Deus. Quem sabe não faço um texto do esboço e reparto aqui com vocês? Que tal?
Ninguém dormiu (eu acho). E por algum motivo, acho que essa mensagem falou fundo e ecoou, unindo-se ao tom de todas as outras pregadas nas demais sessões.
Durante todo o período em que estávamos lá, eu queria muito ver, tipo, parar e contemplar mesmo. Apesar de aproveitar muito o megafone, anunciando pamonha quentinha, sorvete de milho verde por R$ 2,50 e que o carro do ferro-velho estava passando na sua rua, eu parei em diversos momentos apenas para observar.
Assim sendo, vou contar para vocês o que eu vi. Vi, em alguns rostos desconfiados, a esperança risonha brotando, como feijão-de-corda. Vi guris jogando bola, vi gente — gente parecida, gente diferente, gente de verdade. Sabe, gente de verdade, gente que sente, que sangra, que entristece e depois floresce de viver. Vi um trio de amigos dando um abraço daqueles que falam. Vi a dor da perda como um balde de tinta no colo de uma menina. Todo mundo que ia até ela mergulhava a mão na tinta, como quem diz: “o conteúdo desse balde também é nosso.” Vi irmãos e irmãs, pai de filho pequeno e filho de pai grande, e vi mãe. Mãe de primeira viagem.
Eu vi um menino mais velho cuidar do mais novo. Vi gente que tira do bolso para pagar o do outro sem perguntar o que é. É aluguel? É água, luz ou picolé? Do que você está precisando? Vi uma mulher com o coração machucado, com o corte do abandono, receber cuidado médico de amor, daqueles tipo carneirinho pulando a cerca. Conta, conta, que uma hora você perde a conta.
Vi um homem grande chorar. Ele queria ser curado do medo de ser grande. Vi um tanto de gente pintando junto um quadro cor azul-perdão, e o nome da obra era “amizade”. Vi alegria do tipo cano furado, vazando irremediavelmente. Casos graves de alegria. Vi tristeza remediável também, vi angústia transitória, vi uma desconexão que vai e volta andando por aqui e por acolá. Vi tudo isso, mas não vi perfeição em lugar algum. Vi sinceridade. Isso eu vi bastante. Mas a perfeição é difícil de ver, pois está além, mais fundo do que os olhos podem ver, além da nossa própria pessoalidade. Isto é, um outro alguém.
Vi tempo bom e tempo ruim, mas vi tempo ansiando por ser habitado, aqui e agora, com braços firmes, mas receptivos. Vi um poeta que insistia em dizer que, por trás das nuvens densas e escuras, o sol ainda sorri. A névoa que nos encobre é de proximidade, e não de esquecimento: “velha é a espera da memória que permanece viva.”
Depois de ver tanto, descobri que eu não era o único atrás de visões. Tinha um tanto de gente ansiando por parar e ver. Por último, vi um olhar embaçado por lágrimas de gratidão, esse doce imerecimento ignorado por acolhimento gracioso que vai muito além de concordância. É carência cósmica de intimidade, com a qual a gente nasce e cresce, até ter idade para cavar o próprio poço e perceber que o ribeirão corria largo, só esperando alguém que o quisesse beber.
Depois de voltar para casa, os vídeos e as fotos marcam essa memória e essa tal fotografia que reproduz o infinito e só ocorre uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente. Deixo aqui alguns deles para vocês. Lembrando que esta é apenas uma pequena parte, talvez a mais agradável aos olhos, mas certamente não a única a ser bonita. Os desencontros e desencantos são bonitos em seu tempo dentro do quadro maior. Mas não são legais de fotografar.
Igreja One-SP, vos amo sinceramente.
Para finalizar, esse vídeo místico:
LOVELACE, Richard F. Dinâmicas da vida espiritual: uma teologia evangélica da renovação, 2. ed. São Paulo, Shedd Publicações, 2018.
daqueles textos que nos tocam profundamente e nos fazem querer voltar no tempo 😭
voltei pra casa com o balde de tinta bem menos pesado… que privilégio.
😭